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A duração do sofrimento: 10 anos é mais que 10 dias?

  • Foto do escritor: Amanda, Gabriela e Marie
    Amanda, Gabriela e Marie
  • 26 de ago.
  • 3 min de leitura

Não pro inconsciente! Um sofrimento não é determinado por unidades de medida. A dor de perder alguém pode durar meses ou décadas, ou, ainda, podem se passar semanas que mais parecem anos. Na verdade, o grande sofrimento pode advir da tentativa de impor um prazo que seria o correto. Se você ultrapassa esse prazo e “não consegue superar” no tempo esperado, deve se sentir fraco, culpado, errado, desajustado por isso? Freud já falava que o inconsciente é atemporal, impossível determinar a duração de uma dor. Essa ilusão do tempo certo pode ser inclusive muito perigosa criando uma linha imaginária entre o normal e patológico. O inconsciente não tem relógio e o luto não tem calendário.


“Em sua postulação fundamental, ou seja, o inconsciente enquanto sistema de funcionamento específico do psiquismo, o que é mais marcado é que o inconsciente é atemporal. O próprio Freud em alguns textos enuncia algumas teses sobre o tempo de uma forma ligeiramente diferente, mas que podem ser sumarizadas da seguinte forma, segundo Gondar (1995):

1. Os processos mentais inconscientes não são ordenados temporalmente.

2. O tempo de modo algum os altera.

3. A ideia de tempo não lhes pode ser aplicada”


PIMENTA, Arlindo Carlos. O tempo em Freud. Estud. psicanal.,  Belo Horizonte ,  n. 41, p. 59-66,  jul.  2014


Lacan trabalha essa noção de atemporalidade do inconsciente por diferentes vias. Uma delas é a via topológica. Mas por que recorrer à topologia para pensar o inconsciente? Alfredo apresenta cinco características da topologia que poderiam justificar esse recurso. 

  1. a topologia ignora a forma (em psicanálise, as formas não cumprem uma função determinante, é por isso que o imaginário não pode estar numa posição determinante naquilo que é escolhido para representar a estrutura); 

  2. nenhuma funçao de tamanho ou distância mensurável é levada em consideração; 

  3. há uma nova relação entre interior e exterior; 

  4. a topologia subverte a relação sujeito/objeto; 

  5. a topologia opera com a noção de invariantes. Os invariantes são as propriedades estruturais. Tudo se desmancha (distância, forma, tamanho...), exceto os invariantes, ou seja, fica a estrutura. 


Leonora Carrington, The Giantess, 1950

Dito isso, a topologia é uma ciência matemática que será um dos recursos centrais dos ensinos de Lacan, à qual ele recorre para evitar as ilusões de compreensão, sentidos imaginários e mal-entendidos aos quais a linguagem e explicações com palavras estão submetidas. Afinal, o que pode ser mais “exato” do que a matemática, suas fórmulas e grafos? Os significados das palavras, frases e narrativas não têm nada de exatos. São ambíguos e podem ser significados por cada pessoa de uma forma diferente… Manga, manga… Fruta, pedaço de roupa. Do mesmo modo o tempo ganha um sentido subjetivo e os processos de sofrimento não podem ser pré-determinados. É justamente essa ausência de tamanho ou distância mensurável que nos coloca frente um amor íntimo a quilômetros de distância, uma dor de hoje que data de 8 anos atrás, um luto imensurável. Daí o analista dirigir o tratamento apoiado em recursos topológicos, estruturais - pois, não fosse assim, datas, quantidades (intensidade) seriam referenciais universais de cura. 


Aqui, a ideia é simples, mas ousada em um momento histórico de patologização e universalização de categorias de sofrimento (DSM, por exemplo): para a psicanálise, cada sujeito articula seu sofrimento à sua própria maneira. 


EIDELSZTEIN, A., O grafo do desejo, 2017.

PIMENTA, Arlindo Carlos. O tempo em Freud. Estud. psicanal.,  Belo Horizonte ,  n. 41, p. 59-66,  jul.  2014 .


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