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Nossos textos

Van Gogh: da falta à criação

  • Foto do escritor: Amanda
    Amanda
  • 22 de ago.
  • 2 min de leitura

Um dos meus encantos ao visitar o Musée d'Orsay, em Paris, foi me aproximar da história e das pinceladas de Van Gogh. La méridienne fisgou o meu olhar e me deteve por longos minutos em contemplação e reflexão.


Van Gogh pintou La méridienne durante os seus dias internado no hospital psiquiátrico em Saint-Rémy de Provence. Confinado em seu quarto, diante de um "mesmo" que se repetia sem cessar, dia após dia, o artista se defronta com a angústia da ausência de inspiração frente a seu desejo sempre aceso pela pintura. Sem diversidade de paisagens e cenários, Vincent sentia-se bloqueado em seu processo criativo.


A pintura, para ele, não era simples ofício, mas a forma mais vital de estar. Entre angústias e ausências, idas e vindas, era pelo traço que se sustentava – mesmo quando o mundo ao redor se lhe oferecia árido e monótono.


Restava-lhe voltar-se para seus próprios pensamentos, explorando-os em busca de caminhos para a criação. Guiado por sua memória artística, encontra-se, então, com a obra de Jean-François Millet, Sleeping Peasants: camponeses adormecidos no campo, um instante de repouso, uma representação da França rural dos anos 1860. 


Jean-François Millet, Sleeping Peasants
Jean-François Millet, Sleeping Peasants

Decide, então, pintá-la, aceitando o destino da repetição como meio de retomar o pincel e colorir novamente a tela. Recria-a. E, ao re-criá-la, algo de si transborda. O artista infiltra-se no gesto e domina o processo que começou como simples representação do já existente. Mais uma vez, faz-se inventor. A cena se torna sua, numa transcrição pessoal, marcada pela intensidade única da arte de Van Gogh.


Sua presença criadora irrompe inevitável: insurge nos traços, nas cores, em seu modo único de dizer-se em arte. O representar abre-se ao inventar: inscrição pulsante e viva na obra.


Azul profundo para o céu, amarelo incandescente para a terra – o descanso agora pulsa, a serenidade arde. A cena repousa, mas vibra. O tempo se suspende, mas pulsa. Nos tons ardentes de azul e amarelo, a falta se transforma em criação.  O traço, que parecia repetir, abre passagem ao que escapa do artista: sua presença criativa e criadora.


É mais sobre traduzir para uma outra língua, a das cores, as impressões de claro-escuro em branco e preto.

Trecho de carta de Van Gogh a seu irmão, Theo: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/la-meridienne-750


Seu traço, portanto, não se deixa aprisionar pela imitação. Ao contrário, convoca a presença irrefreável do artista – um chamado ao olhar, ao desejo, à invenção do próprio mundo.


Vincent Van Gogh, La Méridienne, entre 1889 et 1890
Vincent Van Gogh, La Méridienne, entre 1889 et 1890

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